Alfred Gockel, Spirit Dance II
Um título para não deixarmos morrer a convicção - ou, até, para a criarmos - de que também somos destinatários do nosso desvelo e amor. Não por enclausuramento narcísico ou viragem umbelical. Mas porque somos, isso sim, o primeiro dom/presente que a Vida oferece a nós próprios.
O cuidado de si, antes de mais, declina-se como cuidar do corpo. Não por um critério estético que obedece aos padrões da moda, mas como imperativo ético: o corpo é a encarnação do dom que se recebe, é o que configura o estarmos «aí no mundo». È bom não esquecer o maltrato a que, amiúde, o sujeitamos: no âmbito das dependências, do escasso repouso, dos apetites vorazes e, até, das várias ginásticas e musculações a que nos submetemos. Um critério a ter em mente pode ser o de uma via intermédia: nem alimária, nem estátua brônzea.
Outra vertente implica cuidar da psique: do modo, saudável ou não, como gerimos as nossos emoções, os pensamentos, os diálogos interiores, o agir. Também aqui não apenas por um critério de higiene mental - importante, mas redutor -, mas porque é a psique que nos coloca em relação com o mundo, com os outros, connosco próprios, com o Transcendente. Sendo o sistema com que processamos as nossas vivências - das mais superficiais às mais profundas - convém-nos mantê-lo flexível, aberto, lúcido e, na medida do possível, aderente à realidade que nos circunda.
Declina-se também como cuidar das relações interpessoais: participar na vida cívica ou comunitária, nutrir a amizade, arriscar o amor. Não por um refúgio no comunitarismo - que aliena transformando-nos em números -, ou, apenas, por imperativo moral - derivado do facto de sermos sociais -, mas sobretudo, porque o amor é o verdadeiro rosto dos humanos.
Por fim, mas não menos importante, o cuidado de si declina-se como cuidar do espírito, termo abrangente que engloba a relação com o Absoluto, a assunção de um universo de valores e a busca de sentido/significado para a existência. Não porque descobrimos a moda das «espiritualidades» - o que nem é mau de todo! - ou porque temos pavor do desconhecido trágico que nos espera em cada incerteza, em cada doença, em cada morte. Mas para darmos voz ao desejo - aninhado no fundo do nosso eu profundo - que clama pelo infinito, pela plenitude, pela eternidade.
O cuidado de si é tarefa primordial, desafio à própria existência, apelo que a vida nos faz... e tem uma única finalidade: a de não nos esquecermos de existir.