[69] Narrar a cidade (I): a chegada
Não se vê a estação. Apenas um túnel escuro sob um viaduto, uma parede cinzenta, prédios uniformes, em que apenas um está colorido, e duas linhas de combóio. Nada mais. Nem estação nem combóio. O que nos traz uma nova cidade? Que novidades nos concede? Sabe-se apenas que há um caminho que rasga o cinzento anónimo e padronizado da cidade. É inevitável meter por ele adentro. Que realidades nos desvelará?
Na minha infância e adolescência houve a estação de caminho de ferro de Vilar Formoso, durante o período do Natal: de dia atravessávamos a linha para ir entregar o leite aos fregueses da outra «margem» ou quando íamos «a salto» a Fuentes de Onõro; de noite despertávamos com o uivo do Sud Expresso e o roncar da auto-motora. A casa da avó era escura e fria. Ainda hoje me lembro das noites de inverno: debaixo de pesadas mantas «de papa» e de olhos escancarados a rasgar o breu, ficava absorto a ouvir aquele rufar de motor entrecortado pelo bramido de um apito prolongado.