[195] Quando a psiquiatria é mal utilizada
Li, atónito, as palavras de Daniel Sampaio (DS) ao jornal A Capital, que o DN de hoje reporta (na coluna «Lido»). O famoso psiquiatra, referindo-se ao discurso de Pedro Santana Lopes (PSL) depois da hecatombe eleitoral da noite de domingo passado, faz o seguinte comentário:
«Santana e Portas: duas maneiras diferentes de reagir ao desaire eleitoral. No primeiro, o narcisismo patológico [os itálicos são meus] impediu-o, mais uma vez, de compreender a amplitude da rejeição (terei assim de voltar a falar nele, por mero interesse de caso clínico). Com este perfil de personalidade, jamais poderá ver para além de si próprio e cuidará de arranjar encenações “democráticas” para disfarçar e vender cara a derrota».
Faço uma premissa, que é declaração de interesses: não me move nenhuma simpatia por PSL, tal como também não me move nenhuma antipatia por DS. Parece-me, isso sim, que o primeiro já teve dose suficiente para perceber como estão as coisas em Portugal a respeito dele e que o segundo pode fazer bem melhor uso da sua competência em psiquiatria.
Em primeiro lugar, não vejo qual a relevância do comentário de DS. Mas tudo bem. Julgou necessário zurzir ainda mais no já derrotado PSL. Está no seu direito. Mas confesso que não reconheço sabedoria ou sequer acume em fustigar os vencidos. Se a vontade de 45,05% de portugueses já se exprimiu a respeito da figura política, para quê infligir no homem? Mas como digo, o irmão do presidente Sampaio lá terá as suas razões. E tem todo o direito em as publicar.
Vamos ao narcisismo patológico de PSL e ao mero interesse de caso clínico que PSL suscita em DS. O exercício da psiquiatria feito nas páginas de um jornal, quando o devia ser - na eventualidade do visado requerer os serviços de DS -, no segredo de um consultório? A que propósito? Quando DS fala de narcisismo patológico escreve como técnico de saúde mental e tem bem presente a categoria de diagnóstico a que se refere, portanto, é sua intenção visar, catalogando, a integridade de PSL, que tem direito a ter as perturbações que quiser sem que um iluminado lho venha atirar à cara a troco de nada, nem sequer do pagamento de honorários. É que a eventualidade de PSL ser um narcisista patológico só a ele lhe interessa e a mais ninguém. A não ser que a sua actuação como político ou como cidadão - narcisista patológico - viole a lei e, portanto PSL terá de ser punido por isso. Mas se assim não for não se percebe a relevância da etiqueta aplicada.
Mas o pior é o moralismo serôdio e a má ciência que se esconde por detrás das palavras de DS. Que diferença haverá entre PSL ser o que lhe chamou DS e PSL ser, eventualmente, um hipertenso ou um diabético? Nenhuma!! O modelo de diagnóstico é do foro médico e restringe-se a essa área! Se DS tivesse dito que «a hipertensão de PSL impediu-o de ...» estaria a fazer uma descrição do estado de saúde da pessoa. Mas aqui é que está o ponto. É que DS não faz uma mera descrição psicológica de PSL: cataloga-o e erige o rótulo que lhe aplicou a categoria ética (só tem interesse para DS como caso clínico!) e categoria moral (ser «um narcisista patológico» é qualquer coisa como os leprosos de antigamente, que deviam ser banidos do convívio social!). É precisamente este salto do descritivo para o ético e o moral que é serôdio e má ciência.
Quanto mais reflicto sobre o assunto mais me parece desatinado o artigo de DS. Não sei, aliás, se o código deontológico de médico e psiquiatra não o vincula a uma certa reserva (para não dizer silêncio) na divulgação de diagnósticos em público! Ainda para mais a quem não lho pediu nem lho pagou! É um mau uso, preconceituoso, da psiquiatria! Talvez DS se sinta entusiasmado com as arremetidas psicanalíticas com que José Gil fustigou PSL e o Portugal de hoje e, por isso, tenha decidido que também chegara a hora de dizer qualquer coisa. Isso mesmo, dizer qualquer coisa. Porque foi só isso: flatus vocis.
«Santana e Portas: duas maneiras diferentes de reagir ao desaire eleitoral. No primeiro, o narcisismo patológico [os itálicos são meus] impediu-o, mais uma vez, de compreender a amplitude da rejeição (terei assim de voltar a falar nele, por mero interesse de caso clínico). Com este perfil de personalidade, jamais poderá ver para além de si próprio e cuidará de arranjar encenações “democráticas” para disfarçar e vender cara a derrota».
Faço uma premissa, que é declaração de interesses: não me move nenhuma simpatia por PSL, tal como também não me move nenhuma antipatia por DS. Parece-me, isso sim, que o primeiro já teve dose suficiente para perceber como estão as coisas em Portugal a respeito dele e que o segundo pode fazer bem melhor uso da sua competência em psiquiatria.
Em primeiro lugar, não vejo qual a relevância do comentário de DS. Mas tudo bem. Julgou necessário zurzir ainda mais no já derrotado PSL. Está no seu direito. Mas confesso que não reconheço sabedoria ou sequer acume em fustigar os vencidos. Se a vontade de 45,05% de portugueses já se exprimiu a respeito da figura política, para quê infligir no homem? Mas como digo, o irmão do presidente Sampaio lá terá as suas razões. E tem todo o direito em as publicar.
Vamos ao narcisismo patológico de PSL e ao mero interesse de caso clínico que PSL suscita em DS. O exercício da psiquiatria feito nas páginas de um jornal, quando o devia ser - na eventualidade do visado requerer os serviços de DS -, no segredo de um consultório? A que propósito? Quando DS fala de narcisismo patológico escreve como técnico de saúde mental e tem bem presente a categoria de diagnóstico a que se refere, portanto, é sua intenção visar, catalogando, a integridade de PSL, que tem direito a ter as perturbações que quiser sem que um iluminado lho venha atirar à cara a troco de nada, nem sequer do pagamento de honorários. É que a eventualidade de PSL ser um narcisista patológico só a ele lhe interessa e a mais ninguém. A não ser que a sua actuação como político ou como cidadão - narcisista patológico - viole a lei e, portanto PSL terá de ser punido por isso. Mas se assim não for não se percebe a relevância da etiqueta aplicada.
Mas o pior é o moralismo serôdio e a má ciência que se esconde por detrás das palavras de DS. Que diferença haverá entre PSL ser o que lhe chamou DS e PSL ser, eventualmente, um hipertenso ou um diabético? Nenhuma!! O modelo de diagnóstico é do foro médico e restringe-se a essa área! Se DS tivesse dito que «a hipertensão de PSL impediu-o de ...» estaria a fazer uma descrição do estado de saúde da pessoa. Mas aqui é que está o ponto. É que DS não faz uma mera descrição psicológica de PSL: cataloga-o e erige o rótulo que lhe aplicou a categoria ética (só tem interesse para DS como caso clínico!) e categoria moral (ser «um narcisista patológico» é qualquer coisa como os leprosos de antigamente, que deviam ser banidos do convívio social!). É precisamente este salto do descritivo para o ético e o moral que é serôdio e má ciência.
Quanto mais reflicto sobre o assunto mais me parece desatinado o artigo de DS. Não sei, aliás, se o código deontológico de médico e psiquiatra não o vincula a uma certa reserva (para não dizer silêncio) na divulgação de diagnósticos em público! Ainda para mais a quem não lho pediu nem lho pagou! É um mau uso, preconceituoso, da psiquiatria! Talvez DS se sinta entusiasmado com as arremetidas psicanalíticas com que José Gil fustigou PSL e o Portugal de hoje e, por isso, tenha decidido que também chegara a hora de dizer qualquer coisa. Isso mesmo, dizer qualquer coisa. Porque foi só isso: flatus vocis.
No sé si debo inmiscuirme en asuntos que desconozco tanto _y es mi culpa_ como la política portuguesa... Pero si algo me parece precisamente narcisismo patológico es la necesidad de fustigar al vencido. Patológico de verdad.
Saludos de vuelta,
Blue Thing
1:34 da manhã
Bravo, José! Também não gosto de PSL, mas que um psiquiatra ou psicólogo ou psicanalista escreva o que escreveu DS, num jornal, parece-me uma violação nítida e irresponsável do código ético da profissão. Abraços.
jc
11:08 da manhã
Parece-me bastante pertinente esta reflexão sobre uma aparente [enquanto não confrontada com o sujeito]necessidade primária de protagonismo e de afirmação territorial da parte de DS. Parabéns pela audácia demonstrada no texto crítico e obrigado.
Boa continuação, Zé.
Um amigo
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