[98] PRESENTES (III): a qualidade da penumbra
Ao número de prazeres da sua existência, o Mestre Sôséki adicionava, segundo parece, o facto de ir todas as manhãs aliviar-se, insistindo em que se tratava de uma satisfação de ordem essencialmente fisiológica; ora, para apreciar plenamente este prazer, não há local mais adequado que as privadas de estilo japonês onde podemos, abrigados por paredes muito simples, de superfície limpa, contemplar o azul do céu e o verde da folhagem. Correndo o risco de me tornar repetitivo, acrescentarei além do mais que uma determinada qualidade de penumbra, uma limpeza absoluta e um silêncio tal que o canto de um mosquito perturbaria o ouvido, são condições indispensáveis. Sempre que me encontro num sítio assim, agrada-me ouvir cair uma chuva suave e regular.
[Junichiro Tanizaki (1999). Elogia da sombra. Lisboa. Relógio d’água.]