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Valeria Parrella (2003). Mosca più balena. Racconti. Roma. Minimum fax.
Visão global
Visão global
Esta obra, a primeira, de Valeria Parrella (nascida em 1974 em Nápoles) é um fresco realista e simultaneamente extraordinário da Nápoles dos nossos dias. São seis contos – breves, concentrados e incisivos – que delineiam seis retratos, seis histórias de mulheres muito diferentes entre si no que respeita à idade, à experiência de vida e ao estrato social. Têm em comum a coragem que caracteriza as suas personalidades e, sobretudo, o facto de serem mulheres dos dias de hoje (vão ao ginásio, estudam no estrangeiro, são socialmente empenhadas, procuram emprego, ambicionam atingir o topo, são solidárias, etc.). A moldura que dá contexto às seis histórias é a cidade de Nápoles com o seu dialecto, com a Camorra (a máfia napolitana) e a corrupção, com as suas gentes e vielas, com o seu calor e a sua comida, com o seu estilo de vida buliçoso e a sua degradação.
Os seis contos
O primeiro conto, Quello che non ricordo più, acompanha a história de uma mulher desde pequena até à idade adulta. A certa altura da sua vida vai para Londres estudar pois a cidade de Nápoles pouco mais tem para oferecer do que ser camorrista, ter uma cunha influente ou ser astrólogo televisivo. O final é surpreendente.
O segundo conto, Dritto dritto negli occhi, é a história de uma rapariga de bairro, lúcida e desencantada, que para chegar ao topo da pirâmide sócio-política de Nápoles decide ser amante de quem manda … O seu trajecto passou por ser a mulher de vários camorristas, de um autarca com quem se casou e, por fim, do senador que preparou a sua ascensão social. É fantástica a utilização do dialecto napolitano na caracterização das personagens do bairro.
A protagonista de Scala Quaranta é uma mulher que vive alheada de si mesma, quase como se a sua vida de mulher, esposa e mãe lhe fosse estranha. É a história de uma mulher a entrar precocemente na menopausa e a quem aparece uma ruga na testa em forma de ponto de interrogação. Tudo na sua vida é rotina e alheamento, inclusive a relação que mantém com o amante. Exemplo disso é a frase com que termina o conto: «Fizeram amor durante toda a manhã: Vera, de repente olhou para uma perna e distraiu-se. A partir daí pensou noutra coisa».
Em Asteco e cielo, a protagonista é o protótipo dos milhares de jovens que em todas as ocasiões participam nos vários concursos de ingresso na função pública (em Itália, a pré-selecção é feita mediante prova escrita simultânea para todos os candidatos). A ida a um concerto, a confusão que se instala numa confrontação com a polícia, a noite passada em branco e o pequeno-almoço tomado num sítio improvável fazem deste conto um fresco de um certo tipo de jovem italiano que se debate entre um estilo de vida inconsequente e a necessidade de lutar pela sobrevivência. Como se diz no conto: «Despedimo-nos como dois camaradas, mas não de equipa ou de partido: de guerrilha».
Em Montecarlo fala-se da luta inglória de uma vereadora obstinada e rigorosa, que fica prisioneira dos tentáculos da burocracia e da Camorra. Um tema actualíssimo não apenas em Nápoles ou em Itália, mas também entre nós.
O último conto, Il passaggio, é porventura o mais interessante e mais articulado. E também o mais longo. Um hino à vida tal como ela é. A protagonista é uma mulher divertida e ao mesmo tempo desarmante: é professora primária (sonha ficar vinculada a uma escola em vez de andar todos os anos a mudar) e acolhe em sua casa uma emigrante (abandonada pelo namorado e passadora de droga) e o seu filho. É uma mulher que experimenta a ambiguidade da sua identidade sexual: apaixona-se por uma mulher - que conhece no ginásio e com quem vai viver -, e após uma discussão, sai de casa, entrega-se a um antigo namorado e engravida. O momento do parto, durante o trajecto para a maternidade, assinala também a reconciliação das duas. Um excelente conto muito bem construído e narrado.
Apreciação
Mosca più balena é um livro apelativo e muito bem escrito. A autora tem um estilo bonito, delicado e incisivo. Impressiona a sua facilidade narrativa, o fluir simples da prosa, mas também a ironia com que descreve a vida das seis mulheres. Oscila com eficácia entre a narração distanciada dos factos, a capacidade de comover o leitor e a denúncia da corrupção, da vida baseada na aparência e na rotina. Em síntese: faz rir, comover e reflectir.
Os seis contos
O primeiro conto, Quello che non ricordo più, acompanha a história de uma mulher desde pequena até à idade adulta. A certa altura da sua vida vai para Londres estudar pois a cidade de Nápoles pouco mais tem para oferecer do que ser camorrista, ter uma cunha influente ou ser astrólogo televisivo. O final é surpreendente.
O segundo conto, Dritto dritto negli occhi, é a história de uma rapariga de bairro, lúcida e desencantada, que para chegar ao topo da pirâmide sócio-política de Nápoles decide ser amante de quem manda … O seu trajecto passou por ser a mulher de vários camorristas, de um autarca com quem se casou e, por fim, do senador que preparou a sua ascensão social. É fantástica a utilização do dialecto napolitano na caracterização das personagens do bairro.
A protagonista de Scala Quaranta é uma mulher que vive alheada de si mesma, quase como se a sua vida de mulher, esposa e mãe lhe fosse estranha. É a história de uma mulher a entrar precocemente na menopausa e a quem aparece uma ruga na testa em forma de ponto de interrogação. Tudo na sua vida é rotina e alheamento, inclusive a relação que mantém com o amante. Exemplo disso é a frase com que termina o conto: «Fizeram amor durante toda a manhã: Vera, de repente olhou para uma perna e distraiu-se. A partir daí pensou noutra coisa».
Em Asteco e cielo, a protagonista é o protótipo dos milhares de jovens que em todas as ocasiões participam nos vários concursos de ingresso na função pública (em Itália, a pré-selecção é feita mediante prova escrita simultânea para todos os candidatos). A ida a um concerto, a confusão que se instala numa confrontação com a polícia, a noite passada em branco e o pequeno-almoço tomado num sítio improvável fazem deste conto um fresco de um certo tipo de jovem italiano que se debate entre um estilo de vida inconsequente e a necessidade de lutar pela sobrevivência. Como se diz no conto: «Despedimo-nos como dois camaradas, mas não de equipa ou de partido: de guerrilha».
Em Montecarlo fala-se da luta inglória de uma vereadora obstinada e rigorosa, que fica prisioneira dos tentáculos da burocracia e da Camorra. Um tema actualíssimo não apenas em Nápoles ou em Itália, mas também entre nós.
O último conto, Il passaggio, é porventura o mais interessante e mais articulado. E também o mais longo. Um hino à vida tal como ela é. A protagonista é uma mulher divertida e ao mesmo tempo desarmante: é professora primária (sonha ficar vinculada a uma escola em vez de andar todos os anos a mudar) e acolhe em sua casa uma emigrante (abandonada pelo namorado e passadora de droga) e o seu filho. É uma mulher que experimenta a ambiguidade da sua identidade sexual: apaixona-se por uma mulher - que conhece no ginásio e com quem vai viver -, e após uma discussão, sai de casa, entrega-se a um antigo namorado e engravida. O momento do parto, durante o trajecto para a maternidade, assinala também a reconciliação das duas. Um excelente conto muito bem construído e narrado.
Apreciação
Mosca più balena é um livro apelativo e muito bem escrito. A autora tem um estilo bonito, delicado e incisivo. Impressiona a sua facilidade narrativa, o fluir simples da prosa, mas também a ironia com que descreve a vida das seis mulheres. Oscila com eficácia entre a narração distanciada dos factos, a capacidade de comover o leitor e a denúncia da corrupção, da vida baseada na aparência e na rotina. Em síntese: faz rir, comover e reflectir.