[120] Narrar a cidade: a sala num prédio
(Edward Hopper, Room in New York, 1932)
O amarelo torrado da parede do fundo, que ilumina a sala como por efeito de um holofote, e o castanho avermelhado da porta enganam no calor que pretendem emanar. Ou então, estão ali, precisamente, para indicarem que aquela sala no prédio é um lugar de intimidade, entre homem e mulher. De início é a luz quente que salta à vista do observador.
Um olhar sucessivo nota um contraste: o parapeito negro, que serve de moldura à cena, cria um limiar entre o fora - escuro -, e o dentro - luminoso -. Que seja escuro pressagia já o que o interior mostra com evidência.
Ele. Ela. De permeio a mesa despida - o fulcro do quadro. Não há intimidade. Aliás, não há comunicação. Cada qual parece absorto no que faz. Mas é engano. Pouco antes havia expectativas, o vestido vermelho indica-o. A direcção das pernas mostra-o. Mas goraram-se, di-lo o indicador a martelar na tecla, a sombra no rosto e a torção dolorosa do tronco. Não há actividade, mas retraimento e contracção. Isolamento. Angústia na relação. E a mesa despida de permeio.
Ele lê, de mangas arregaçadas, colete e gravata. Está num lugar íntimo, mas podia estar numa escrivaninha de guarda-livros. Não há diferença, nele, entre o dentro - íntimidade - e o fora -esforço na acção. Di-lo a roupa do burocrata. E a mesa despida de permeio.
Impressionam os rostos esbatidos, as fisionomias pouco definidas. Como não se comunica não há identidade. Como não há identidade não se comunica. Não há relação. São pessoas que não o são. Nem na complementaridade sexual. Limitam-se a estar.
Alguém disse que a cena é opressiva na sua banalidade e intimidade. É uma alegoria moderna do tédio profundo. A cidade também vive nesta impotência de ser íntimos, nesta fuga precipitada no isolamento.