[115] Em 2005: assinar a vida
Antes de mais desenhar uma gaiola
de porta aberta
depois desenhar
algo de gracioso
algo que seja simples
algo que seja belo
algo de útil
para o pássaro
de seguida pendurar a tela numa árvore
num jardim
num bosque
ou numa floresta
esconder-se por detrás dessa árvore
sem dizer nada
e sem se mexer...
Por vezes o pássaro chega logo
mas também pode demorar anos e anos
antes de se decidir
Não desencorajar-se
esperar
esperar se necessário anos a fio
a rapidez ou a lentidão da vinda do pássaro
nada tem que ver
com resultado final do quadro
Quando o pássaro chega
se é que chega
observar o silêncio mais absoluto
esperar que o pássaro
entre na gaiola
e assim que o fizer
fechar docemente a porta com o pincel
e depois
apagar uma a uma todas as barras
com cuidado para não tocar nas penas do pássaro
Chegado a este ponto fazer o retrato da árvore
escolhendo o ramo mais bonito
para o pássaro
desenhar agora as folhas verdes e a frescura do vento
a poeira do sol
o ruído dos insectos escondidos na erva
na calidez estival
depois esperar que o pássaro tenha vontade
de começar a cantar
Mas se não canta
é mau sinal
sinal de que o quadro é mau
mas se canta é bom sinal
sinal que podeis assinar o quadro
Então arrancareis
com grande doçura
uma das penas do pássaro
e escrevereis o vosso nome num canto do quadro.
(Jacques Prévert, Pour faire le portrait d'un oiseau)