[373] Leituras em progressão
«Hoje sei que há beleza e beleza; e isto vale também para os lugares, não só para as pessoas. Aqui não há desertos rendilhados pelo vento ou montanhas sobranceiras aos lagos, baías que abraçam o mar e ilhas no fio do horizonte, há apenas uma serena fiada de vinhas ordenadas, chãs e ladeiras; e há quem ouça uma música com cheiro a bosque depois da chuva. Quem a trabalha, à terra, finge não vê-la, à beleza: acha uma cisma de preguiçosos parar a contemplar o vale quando a sombra o alaga ou o sol inunda o bosque e desenha um caminho. Não é desprezo ou desatenção, apenas hábito. A terra é a terra, o bosque é o bosque e a vinha é a vinha. E ninguém perde tempo a recordar quando foi erguida – por obra sabe-se lá de quem – a torre de San Biagio, toda virada a norte, com o musgo a roer-lhe as pedras. Alguns chamam-lhe Torre da Vingança, ainda que de lá de cima não se veja quase nada por causa do nevoeiro persistente. No meu coração sempre achei que se deveria chamá-la Torre da Vingança. Uma vingança gentil, entenda-se; talvez nem mesmo o termo «vingança» seja o certo, seria melhor dizer despique ou desforra, e não apenas a minha pessoal, mas a de todos aqueles que nesta aldeia nasceram e morreram ao longo dos anos, e que arrancaram ao bosque um metro de terreno após outro, que cavaram com a enxada levantando torrão a torrão, tentando não olhar para aquele horizonte de bosques íngremes, infindos como as ondas do mar.»
[Benedetta Cibrario (2007). Rossovermiglio. tradução de José JC Serra]