[297] nesta manhã de sombras
(bairro de s. sebastião - actualmente, rua antónio jardim, em coimbra - em meados do século passado)
I
a foto que me deste mãe é antiga de um tempo em que não nos pensavas
fala de seres criança - precisas de ser resgatada? - de caminhos de barro e calçadas estreitas
quem são os miúdos naquele magote anónimo de risos e embaraço
e aquelas casas brancas, que já morreram ou foram transformadas?
uma terra alinhada no cume um depósito de água ao fundo
três postes de electricidade - um deles o do bailarico -
a igreja de sto.antónio e a calçada do prior
ecos que irrompem do papel couché e se materializam na memória feliz e pobre do instante
onde estarão, agora, os homens e mulheres que ajudaram a rasgar os carreiros,
a caiar as paredes, a plantar os olivais?
onde está a vida consciente que trouxeram aonde só havia ausência e silêncio?
continuará nos que cá estão e nos que partindo sempre regressam de olhos embargados
e boca aberta em espanto e nostalgia?
II
não quero que esta memória se perca, nada do que aqui verti
- em jogos e lágrimas - seja vão
quero que me seja recordado donde vim do barro dos caminhos
dos postes a cheirar a pez do amor frágil que me rodeou
do que é ser quando ainda não se é.
III
as sombras que uma manhã projecta nas pessoas e nos objectos
o instante que capta o movimento imóvel a surpresa do homem de mãos nos bolsos
- o único a ser reconhecido, o esteves -
os telhados que presumo cor de telha o mármore dos condutores dos fios eléctricos
as chaminés por caiar as azeitas sem varejo
a vala por onde escorrem fétidos os dejectos humanos animais
os putos sem saberem que fazer
e aquela oliveira ao fundo do caminho velho ali onde também haverá um fontanário
ao dobrar do carreiro
tudo isto são objectos da infância coisas por dizer ecos por ouvir
se por aqui passares é isto que verás lentamente nesta manhã de sombras
(coimbra, 25 de julho de 2005)
a foto que me deste mãe é antiga de um tempo em que não nos pensavas
fala de seres criança - precisas de ser resgatada? - de caminhos de barro e calçadas estreitas
quem são os miúdos naquele magote anónimo de risos e embaraço
e aquelas casas brancas, que já morreram ou foram transformadas?
uma terra alinhada no cume um depósito de água ao fundo
três postes de electricidade - um deles o do bailarico -
a igreja de sto.antónio e a calçada do prior
ecos que irrompem do papel couché e se materializam na memória feliz e pobre do instante
onde estarão, agora, os homens e mulheres que ajudaram a rasgar os carreiros,
a caiar as paredes, a plantar os olivais?
onde está a vida consciente que trouxeram aonde só havia ausência e silêncio?
continuará nos que cá estão e nos que partindo sempre regressam de olhos embargados
e boca aberta em espanto e nostalgia?
II
não quero que esta memória se perca, nada do que aqui verti
- em jogos e lágrimas - seja vão
quero que me seja recordado donde vim do barro dos caminhos
dos postes a cheirar a pez do amor frágil que me rodeou
do que é ser quando ainda não se é.
III
as sombras que uma manhã projecta nas pessoas e nos objectos
o instante que capta o movimento imóvel a surpresa do homem de mãos nos bolsos
- o único a ser reconhecido, o esteves -
os telhados que presumo cor de telha o mármore dos condutores dos fios eléctricos
as chaminés por caiar as azeitas sem varejo
a vala por onde escorrem fétidos os dejectos humanos animais
os putos sem saberem que fazer
e aquela oliveira ao fundo do caminho velho ali onde também haverá um fontanário
ao dobrar do carreiro
tudo isto são objectos da infância coisas por dizer ecos por ouvir
se por aqui passares é isto que verás lentamente nesta manhã de sombras
(coimbra, 25 de julho de 2005)